Exposições

Interlúdio

Alguns painéis brancos deixam entrever o espaço interno. Num deles, há uma diagonal formada pela imagem de água e areia, Rio Negro. A fotografia que recebe o visitante lembra uma imagem aérea, como se fosse um drone a mapear — colonizar? — a paisagem. Mas foi feita com os pés no chão, molhados, provavelmente: a artista deixou-se afetar pelo lugar.

Em Interlúdio, exposição de Maíra Acayaba, Luiz Eduardo Rayol e André Weigand, a apreensão dos trabalhos depende das relações criadas entre eles e o espaço, que também se transformam na medida de uma caminhada. O sentido do conjunto se dá pelas frestas, ou num intervalo passageiro, como aponta o título derivado do vocabulário musical.

Da entrada, é possível ver um grande volume suspenso no ar que lembra uma pedra, pesada. Toda história do mundo - XXII, de Rayol, preenche parte do espaço de maneira imponente. De perto, é possível ver como se dá a materialidade da obra. E, então, sentir sua leveza. Ao seu lado, um pequeno Chakra que parece ter se desprendido de um todo maior e foi guardado com cuidado, numa moldura. Mas, embora os trabalhos nos convidem a imaginar histórias, estas serão sempre provisórias.

Duas fotografias em preto e branco foram feitas, por Weigand, em longa exposição. Esta técnica, ao contrário de “congelar” um instante da paisagem, mostra sua própria transitoriedade: mais que refletir o céu, a massa de água parece estar prestes a transformar-se também em luz, impalpável, ao mesmo tempo em que destaca a solidez das formações rochosas. Estas, por sua vez, num tempo muito mais largo que a percepção humana é capaz de apreender, também se transformarão. A depender dos acasos, se dividirão em outras menores, ou talvez em areia fina, como a do Rio Negro de Acayaba. A sílica presente na areia guarda o potencial de transformar-se em vidro, este material conhecido da humanidade há alguns milhares de anos, muito usado no armazenamento de coisas preciosas como água limpa.

Iara, outra fotografia de Weigand, parece operar o inverso. Nesse caso, a solidez das águas, como que transformadas em pedra, sugerem algo de infinito, que não termina justamente por causa da mudança constante, ou o “começo, meio e começo”, nas palavras do intelectual quilombola Antônio Bispo dos Santos. O espelhamento cria também um limiar, em que os dois lados de uma mesma imagem formam algo maior que sua própria soma: espécie de confluência visual, sugerindo tantas outras imagens quantas combinações forem possíveis. Afinal, uma confluência, no sentido de Bispo, é o encontro entre diferentes que, ao contrário de produzir uma síntese ou um todo dominante, amplifica os corpos, sem retirar-lhes a singularidade da origem.

Suspensas no espaço — e, quem sabe, no tempo —, há quatro vistas de uma praia, em que se vê uma estrutura de concreto em ruínas. Não se sabe ao certo o que teria sido esse exemplar “brutalista” da arquitetura brasileira, mas as pessoas ao fundo e os outros seres que habitam o lugar parecem não lhe dar importância. As fotografias de Acayaba não apenas registram o abandono da construção (algo relativamente comum no Brasil), mas parecem sugerir o absurdo da ideia de progresso. Nesse caso, o estranhamento se materializa na forma de uma estranha “carranca” que nunca navegará o mar à sua frente; a “boca” está aberta, mas parece que foi fincada num espeto. Apesar de tudo, a vegetação rasteira cresce, as folhas das palmeiras seguem arqueadas pelo vento, a luz elétrica se transmite pelos fios. As imagens, de fato, mostram os quatro ângulos do objeto, mas ele segue impassível, suscitando interpretações tão diversas quanto vagas, ao mesmo tempo que, sabemos, está sendo corroído.

Num canto formado por uma parede e os caixilhos da janela, há outro trabalho leve de Rayol, de aparência pesada. Têmpera e acrílica qualificam os fragmentos de papel, sugerindo ou ampliando relevos. Tân-ato contém “laços” em suas extremidades que servem de sustentação ou, em outros casos, apenas estão ali, talvez como a vegetação rasteira da praia: inútil, do ponto de vista do “progresso”. Elas formam membranas, composição e ritmo, como se estivessem em vias de se movimentar. Tânato, a personificação da morte na antiguidade grega, não tem o sentido de fim, mas de passagem, explicitado na divisão da palavra pelo artista, que termina em “-ato”: recomeço, portanto.   

Não por acaso, o espaço que acolhe os trabalhos situa-se também num limiar, em que os vidros transparentes deixam a cidade à mostra, e o público é convidado a subir as escadas ao lado de um estacionamento de carros — esses “seres” que em pouco tempo se tornarão tão estranhos quanto aquele de concreto, nas fotografias na praia. Na verdade, talvez seja possível dizer que estamos todos imersos numa espécie de interlúdio: o meio entre dois começos no qual as consequências de séculos de extrativismo humano e não humano se tornaram agudas.

Ao fundo da galeria há uma fotografia envolta por azulejos que resistiram a demolições e foram coletados por Weigand. Azulejos que um dia foram barro e que escaparam de virar entulho, imagem de casas e coisas que não se sabe bem onde estão. Ao seu lado, outro pequeno Chakra guardado com cuidado e mais uma das vistas da construção na praia. A variação de dimensões dos trabalhos faz com que eles próprios se modifiquem, sugerindo que nem mesmo a singularidade de um corpo exista de maneira inequívoca. Afinal, a vida também acontece pelas frestas, em confluência. 

Curadoria

Mariana Leme

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Local:

Rua Araújo, 154 - São Paulo (estacionamento disponível no local - serviço de terceiro com cobrança)

de 04/05/2024 à 08/06/2024

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Dominar o fogo, prever as estações, manipular toda matéria ou disciplinar qualquer comportamento: afeitos ao poder e à razão, somos conduzidos pela ambição de desbravar e governar a realidade, seja em nosso cotidiano estrito ou no mais abstrato coletivo. Aceitar o entorno como um fato social amoldado pela força e pela ciência — pelo gesto e pela consciência — talvez seja uma adequada chave para adentrarmos a exposição Domar o Tempo. Reconhecendo as particularidades e complexidades das produções de Leandro Machado e Vanessa Ximenes, podemos sugerir que as séries reunidas apropriam-se de elementos — por vezes traumáticos — de múltiplas temporalidades para absorver suas forças, deglutir e esgarçar suas simbologias e, como consequência, reinserir suas obras através de formulações igualmente individuais e universais.
Ergue-se ao centro da WG Galeria um grande sudário em algodão com onze metros de largura: para além de uma mera exacerbação material, a obra de Leandro Machado não busca protagonismo pela escala agigantada, alcançando seu efeito através de uma estratégia oposta, quando apenas a observação à curta distância imprime o teor pretendido pelo artista. Às centenas, enfileiram-se marcas deixadas pela pressão e permanência de ferros de passar roupa, índices memoriais do período colonial quando a atividade exaustiva frente ao fogo açoitava homens no trabalho extrativista e mulheres na submissão a tarefas não menos estafantes. Cada ferrogravura — evocando também as escaras que imprimiam a posse do corpo negro à base de tortura — é derivada de um fazer ritualístico no qual Leandro empenha oito, nove, dez horas de ação performática — embora jamais encenada — na busca por lenha, alimentando as chamas, aquecendo o metal e expondo-se ao fogo para marcar o tecido.
Com uma trajetória que se adensa há duas décadas, a produção de Leandro Machado ainda é pouco reconhecida para além das fronteiras do Rio Grande do Sul — assim como tantos nomes cuja visibilidade é eclipsada pela posição periférica no mapa nacional. Sem limitar-se às reflexões raciais que hoje balizam a adequada atenção das instituições culturais nacionais, o artista vem empregando técnicas e materiais ditos precários — a exemplo de pinturas que subvertem o alisante de cabelo henê, das frotagens extraídas em necrópoles, além de suas grandes esculturas com gradis coletados pela paisagem ou a inédita série Interditos, composta por instrumentos de sopro emudecidos.
Leandro dá forma a escrevivências sedimentadas igualmente no passado dos oceanos e da terra, mas também nos muros e no asfalto — não esqueçamos a origem urbana do artista. Ao elucidar o percurso de Leandro, o crítico Paulo Herkenhoff sugere que “a dimensão trágica do tempo da escravidão no Brasil em Machado são vestígios de descaminhos”: seja através do exílio ou dos pequenos trânsitos cotidianos, a ideia de deslocamento é uma constante na produção do artista, alimentada pelas vicissitudes de um itinerário solitário, pelo estado meditativo nas peregrinações ou em cada revelação daquilo que Leandro nomeia arqueologia do caminho.
À semelhança do fazer de um arqueólogo, Vanessa Ximenes também revolve o tempo na busca por narrativas que poderiam se esmaecer pelo esquecimento: a ação gestual sobre a bruta matéria — assumindo a ancestralidade do barro como mineral — é acompanhada por um rememorar que une, em simbiose, a figura de olhos e vidros, aproxima mãos entrelaçadas e relógios arcaicos. Facejando passados recentes, a artista confere às obras um caráter igualmente confessional e terapêutico: na mesma medida, deposita nas formas intenção memorialística e reconfigura as simbologias através do misticismo e do sincretismo — do tarô à umbanda. Drummond talvez tenha criado uma das mais pungentes descrições da cor em nossa literatura ao relatar o encontro do vermelho e do branco, paleta recorrente na produção de Vanessa: “por entre objetos confusos, mal redimidos da noite, duas cores se procuram, suavemente se tocam, amorosamente se enlaçam, formando um terceiro tom a que chamamos aurora”.
Há ferro e há fogo. Leandro e Vanessa dão corpo ao tempo não por sua reencenação, mas sim ao compartilhar o que ainda não está apaziguado, buscando na verdade das ferramentas e materiais o simbolismo do que resta bruto no passado. Do mar, não há como abrandar as tormentas.

Texto curatorial

Henrique Menezes

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Local:

Rua Araújo, 154 - São Paulo (estacionamento disponível no local - serviço de terceiro com cobrança)

de 22/02/2024 à 24/03/2024

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Vamos fazer um exercício: Você está em pé, de frente para uma pequena peça de madeira. Nela podem haver singelas inserções, casinhas ou corações. Não se engane, não economize tempo, existe um mundo ali. Foi finamente esculpida e de forma delicada mostra a brutalidade do tempo estampada em sua constituição. Mas, para ver seu todo, não pode haver receio de parecer um pouco ‘bobo’, como diz o próprio artista, e deixar as responsabilidades de lado.
No poema “O Poeta”¹, Manoel de Barros assume sua irresponsabilidade e entra no mundo das imagens. Alex Barbosa por sua vez assumiu a dele ao desmontar a cama do pai para usar de matéria prima para construir seu primeiro instrumento musical, gesto este que o levaria para o mundo da escultura.
Com restos de madeiras nobres provenientes da luteria, de sua produção autoral de instrumentos musicais de corda, Alex, no intuito de dar valor a tudo o que as árvores representam, esculpe obras que ganham histórias diferentes a cada interação e a cada observador que as encontra. É preciso imaginar e sonhar para entrar nesta coleção de poemas.
Essas histórias começam muito antes de Alex iniciar sua interação artística com as madeiras. Alex garimpa, sempre atento por onde anda e onde pode haver alguma peça de madeira, limpa, cuida, hidrata, descobre a espécie, a idade e de onde veio. Algumas esculturas são verdadeiras xilotecas.
Materialmente, esse resto² levou a um gesto3, mas antes do resto, havia outro gesto. O gesto levou ao gesto. Sempre foi o gesto. A intenção de exprimir e realizar algo que o tirasse de uma condição e o levasse para condução. Condução à sua maneira de ser no mundo.
Natural de Atibaia, Alex semeou bastante no campo da educação, com aulas para instituições e escolas, onde foi agraciado por um pequeno aluno pelo nome “Tio Árvore”. Fruto da parceria com a WG galeria, que também iniciou suas atividades com espaço físico em Atibaia e hoje se encontra no centro de São Paulo, esta é a primeira individual do artista em sua cidade de origem.
Esta exposição convida o público a chegar perto, sem pressa e sem medo de adentrar e sonhar junto os poemas que arvorecem das mãos de Alex Barbosa.

Texto curatorial
André e Mariana Weigand

Resto²
substantivo masculino;
o que sobra, o que fica de um todo de que se retirou uma ou várias partes;
aquilo que resta, que permanece; remanescente;

Gesto³
substantivo masculino;
movimento do corpo, esp. das mãos, braços e cabeça, voluntário ou involuntário, que revela estado psicológico ou intenção de exprimir ou realizar algo; aceno, mímica; m.q. GESTICULAÇÃO ('ato');

² ³ definições de Oxford Languages
¹ Manoel de Barros, Ensaios Fotográficos

 

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Local:

Cine Itá Cultural

Rua Visconde do Rio Branco, 51 - Atibaia (estacionamento disponível no local - serviço de terceiro com cobrança)

de 25/02/2024 à 09/03/2024

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Como uma exposição de arte pode discutir nos dias de hoje questões fundamentais da existência humana como fé e espiritualidade no fazer artístico?
Sem a pretensão de alcançar uma resposta única ou definitiva à pergunta, a proposta da exposição Imenso Interno que inaugura o novo espaço da WG galeria funda-se justamente na coexistência das distintas possibilidades de se abordar o tema da espiritualidade humana, suas expressões e significados.
Foi movida por esta provocação que a direção da WG galeria reuniu-se com Fabio Delduque e Veridiana Aleixo, coordenadores da Arte Serrinha de Bragança Paulista, dando início a um processo curatorial colaborativo e horizontal.
Arte Serrinha é uma iniciativa que há mais de 20 anos realiza festivais de arte, exposições e residências artísticas com ênfase nas artes visuais tendo, no entanto, como principal característica o encontro de diversas linguagens.
Encontro. Palavra com origem no latim incontrare, por sua vez formada por IN-, “em” e CONTRA, “oposto”. Pode também significar “junção de pessoas ou coisas que se dirigem para o mesmo ponto ou se movem em sentido oposto”.
A palavra encontro remete, portanto, à ideia de elementos opostos, contrários entre si que, por alguma razão, se unem, dirigindo-se a um mesmo fim, ou a um mesmo sentido, não há melhor termo para expressar a essência do que acontece nesta exposição. Os trabalhos dos 13 artistas representados, com trajetórias, práticas artísticas e visões de mundo diversas - por vezes diametralmente opostas - compõem um mosaico plural que tensiona o espaço, como uma rede elétrica conectora por onde correm cargas de afetos, luto e dor, crenças, memórias e sonhos. Esta rede também revela o próprio fenômeno da criação artística, um elemento espiritual comum a todos que dá à luz obras que expressam as distintas maneiras com as quais cada um dos artistas vive este tema arquetípico.
Dentro da prática de construção coletiva de sentidos em conversas entre os curadores, artistas e equipe da WG, duas perguntas foram lançadas aos artistas: “de onde vem sua arte?” e “o que é espiritualidade para você?”. Perguntas distintas que tinham como intenção investigar coletivamente a ideia de que fazer arte é, de fato, uma experiência espiritual. A exposição nasce desse processo que constroi um espaço-tempo comum onde é materializada a pluralidade de universos singulares e espirituais dos artistas.
Como escreveu Kandinsky «todo aquele que mergulhar nas profundezas de sua arte, à procura de tesouros invisíveis, trabalha para elevar esta pirâmide espiritual, que alcançará o céu».
Imenso Interno convida o público a um mergulho no misterioso mundo da criação artística como a mais humana das práticas, justamente por sua natureza espiritual. Um ato que, há milênios, condensa e traduz a imensidão infinita que forma cada um de nós.

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Agenda: 
22/11 Quarta-feira 11:00 Abertura à imprensa
23/11 Quinta-feira 18:00 Visita guiada com curadores (para convidados)
24/11 Sexta-feira 19:00 Vernissage (para convidados)
25/11 Sábado 13:00 Abertura oficial da exposição
30/11 Quinta-feira 17:00 Ação do artista Eduardo Sampaio em parceria com a marca Olympia Le-tan
01/12 Sexta-feira Talks com artistas
02/12 Sábado Talks com artistas
TBD Visita guiada com especificadores

Local:

Rua Araújo, 154 - São Paulo (estacionamento disponível no local - serviço de terceiro com cobrança)

de 25/11/2023 à 21/12/2023